Corvos





Os pais de Martho sempre o falaram que ele era especial, que seria capaz de coisas que outros não seriam. Já ele, sempre aceitou, acreditou, mas nunca entendeu. Principalmente o porquê de seu pai não parecer orgulhoso e nem sua mãe feliz ao dizerem isso.

Foi só quando viu corvos voando sobre a cabeça de um homem pouco antes dele ser atropelado que enfim compreendeu.

Martho podia ver os próximos escolhidos da morte.

Por isso, não se aproximava de ninguém, nem olhava em seus olhos. A solidão doía, porém o medo de ver os malditos pássaros pretos, encarar somente morte ao invés de vida era muito maior. E todos o deixavam assim, exceto Maria, ela era diferente. Todo o dia vinha e falava, ria, tagarelava, ficava ao seu lado. Nunca recebia uma resposta, no entanto, Martho sequer a olhava. E ainda assim sempre voltava.

Maria era diferente.

Martho ouviu gritarem seu nome, vinha do outro lado da rua. Era tão alegre e caloroso, só podia ser dela. Parou seus passos e respirou fundo. Por que não olhava para Maria? Ao menos uma vez saber como era seu rosto, seu sorriso. Ela merecia. Ele queria.

Preparou um sorriso pela primeira vez em muito tempo, imaginou que até seus olhos brilhavam. O coração batia rápido de tanta expectativa. Levantou a cabeça decididamente. Maria acenava e sorria para ele, usava vermelho e amarelo num dia de verão, era linda. Martho caiu no chão, o rosto horrorosamente contorcido, sem conseguir respirar. Por que havia olhado? Por quê? Por quê? 

Do outro lado, Maria se apressava para atravessar, não entendendo o que acontecia.

Ela era linda, brilhava como ninguém, e tinha um corvo pousado em seu ombro.
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